Quando caiu o último reduto árabe na Espanha, alguns mouros, falsamente convertidos em novos cristãos, buscaram morada na América. Ligados à alquimia, trouxeram com eles sua princesa e o desejo de aqui "alçar de novo a Meia-lua sobre a Estrela de Belém", isto é, fundar um país mulçumano. Anhangá-pitã, diabo vermelho dos índios, transformou a princesa moura em Teiniaguá, uma lagartixa, diferente das demais por ter encrustada na cabeça uma pedra preciosa, que cintilava como brasa e da cor do rubi. No tempo dos padres jesuítas, existia um moço sacristão no Povo de São Tomé, na Argentina, do outro lado do rio Uruguai. Ele morava numa cela de pedra nos fundos da própria igreja, na praça principal da aldeia. Num verão muito forte, com um sol de rachar, ele não conseguiu dormir a sesta. Então, levantou-se, e foi até a beira da lagoa refrescar-se. Levava consigo uma guampa, que usava como copo. Então, a coisa mais estranha aconteceu, a lagoa toda fervia e largava um vapor sufocante e qual não é a surpresa do sacristão ao ver sair d'água a própria Teiniaguá, na forma de uma lagartixa com a cabeça de fogo, colorada como um carbúnculo. Ele, homem religioso, sabia que a Teiniaguá - os padres diziam isso!- tinha partes com o Diabo Vermelho, o Anhangá-Pitã, que tentava os homens e arrastava todos para o inferno. Mas sabia também que a Teiniaguá se transformava em mulher, uma princesa moura encantada jamais tocada por homem, de corpo rijo e formoso. Aquele pelo qual se apaixonasse seria feliz para sempre. Assim, num gesto rápido, aprisionou a Teiniagá na guampa e voltou correndo para a igreja, sem se importar com o calor. Passou o dia inteiro metido na cela, inquieto, louco que chegasse a noite. "Estava escrito: Serás o meu par ... quando quebrado o encantamento, do sangue de nós ambos, nascerá uma nova gente ... se a cruz do teu rosário não me esconjurar ..." Quando as sombras finalmente desceram sobre a aldeia, ele não se sofreu: destampou a guampa para ver a Teiniaguá. Aí, o milagre: a Teiniaguá se transformou na princesa moura, que sorriu para ele e pediu vinho, com os lábios vermelhos. Ora, vinho só o da Santa Missa. Louco de amor, ele não pensou duas vezes: roubou o vinho sagrado e assim, bebendo e amando, eles passaram a noite. No outro dia, o sacristão não prestava para nada. Mas, quando chegou escureceu, tudo se repetiu. E assim foi até que os padres finalmente desconfiaram, e numa madrugada invadiram a cela do sacristão. A princesa moura transformou-se em Teiniaguá e fugiu para as barrancas do rio Uruguai, mas o moço, embriagado pelo vinho e pelo amor, foi preso e acorrentado. Como o crime era horrível - contra Deus e a Igreja! - foi condenado a morrer no garrote vil, na praça, diante da igreja que ele tinha profanado. No dia da execução, todo o Povo se reuniu diante da igreja de São Tomé. Então, lá das barrancas do rio Uruguai a Teiniaguá sentiu que seu amado corria perigo. E com todo o poder de sua magia, começou a procurar o sacristão abrindo rombos na terra, uns vales enormes, rasgando tudo. Por um desses vales ela finalmente chegou à igreja bem na hora em que o carrasco ia golpear o sacristão. O que se viu foi um estouro muito grande, nessa hora, parecia que o mundo inteiro vinha abaixo, houve fogo, fumaça e enxofre e tudo afundou e desapareceu. E quando as coisas clarearam, a Teiniaguá tinha libertado o sacristão e voltado com ele para as barrancas do rio Uruguai. Então, eles atravessaram o rio e ficaram uns três dias em São Francisco de Borja, procurando um lugar afastado onde pudessem viver em paz. Assim, foram parar na Cerra do Jarau, no Quaraim, onde descobriram uma caverna muito funda e comprida. E lá foram morar. Essa caverna, no alto da Cerra, ficou encantada. Virou Salamanca, que quer dizer "gruta mágica", a Salamanca do Jarau. Quem tiver coragem de entrar lá, passar por sete provas e conseguir sair, fica com o corpo fechado e com sorte no amor e no dinheiro para o resto da vida. Na Salamanca do Jarau, a Teiniaguá escondida na gruta e o sacristão a guardar a entrada viverão lá por duzentos anos. Campeando uma boiada, um tropeiro chega à furna do Jarau. Sabia sobre a lenda, que sua avó, uma índia charrua, contava. Entrou na furna, encontrou um vulto branco e tristonho e o saudou em nome de Deus, o vulto lhe passou sete provas, que com "alma forte e coração sereno", venceu. Chegou até a Teiniaguá encantada. tocou-lhe a testa e a pedra preciosa. A Teiniágua se transformou na Princesa Moura e lhe ofereceu sete escolhas, as quais ele rejeitou. Ele queria mais, muito mais: " - Eu te queria a ti, porque tu és tudo." Voltou à boca da furna e lembrou que: "tendo tido oferta de muito, não lograra nada, por querer tudo." Recebeu, do vulto branco e tristonho, uma moeda de ouro, furada por um condão mágico. O tempo passava e o tropeiro cada vez mais rico e sozinho. "Churrasqueava sozinho, e sozinho mateava." Deu para cismar. Voltou ao cerro do Jarau e em nome de Deus saudou o vulto, devolvendo a moeda. "- Prefiro a pobreza dantes à riqueza, que não se acaba, é verdade, mas que parece amaldiçoada, porque nunca tem parelha e separa o dono dos outros. Fica-te com Deus." Pela 3ª vez o nome do Senhor é pronunciado e assim quebra-se o encantamento. O Jarau ficou transparente e o tropeiro viu as labaredas devorando tudo o que havia pela frente. A Teiniaguá se transformou na princesa moura e a moura em uma índia tapuia formosa. O vulto branco e tristonho, transformou-se em sacristão, e este por sua vez, num homem forte e viril. Aquele par, juntado e tangido pelo destino, foi descendo a pendente das coxilhas, até alcançar a várzea limpa, plana e verde, finalmente estavam livres para se amarem. O tropeiro, deu de rédea e devagar foi descendo a encosta do cerro, com o coração aliviado. Era pobre como dantes, porém comeria em paz o seu churrasco e em paz beberia o seu chimarrão, em paz dormiria novamente, em paz estaria a sua vida. A india tapuia e o seu amado, viverão felizes até o fim do seus dias e do seu amor nasceram os primeiros gaúchos.